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13 de dez. de 2009

Conteúdo e método. Qual prevalece?




Imagine esta situação:

Sou o pároco de uma grande paróquia que abrange todo o território de um município. Aí, a sede aglomera os principais edifícios de todas as instituições, como hospital, prefeitura, câmara de vereadores, fórum e a própria igreja matriz.

Além da sede urbana, o município tem muitas outras localidades rurais, sendo que algumas já estão organizadas como comunidades cristãs, com suas capelas e pastorais, e outras localidades sequer o pessoal se encontra para fazer suas orações devocionais e muito menos pra Santa Missa. Nessas localidades mais afastadas da vida paroquial, ainda existe um catolicismo popular, alimentado de modo minguado por resquícios de cristandade e programas católicos de rádio e televisão, quando o pessoal ainda os assiste. Na maioria das vezes são os mais idosos que assistem de modo mais demorado, pois os mesmos ecoam na sua longa tradição católica herdada de tempos em que existiam poucos protestantes e menos ideologias relativistas espalhadas na sociedade.

O bom seria uma boa equipe para realizar um trabalho de evangelização mais demorado nessas localidades mais difíceis. Mais nem sempre isto é possível, pois nossos agentes de pastoral, além das pastorais que já assumem na Igreja, possuem muitas outras responsabilidades de cunho pessoal ou profissional. E não adianta a gente se iludir muito, pois entra também a questão do transporte, além de que os missionários leigos com melhores condições pra realizar uma missão eficaz, nem sempre conseguem ficar na mesma função durante muito tempo, pois aparece a necessidade de trabalhar, de casar, ir embora, preparação para o vestibular, cuidado com familiares enfermos, etc.

Isto tudo fica mais difícil quando se trata de ter que ficar indo para outras localidades, pois se um dia dá certo, muitas outras vezes surgirão problemas que vão atrapalhar o “ir e vir...” Olha que estou falando de uma paróquia de um município do interior!

E mesmo que uma boa equipe consiga fazer um bom trabalho de evangelização inicial, toda comunidade precisa de um permanente trabalho pastoral, todos os dias e a vida toda.

Então, o certo é que na grande maioria das vezes, temos que contar mesmo é com os habitantes das localidades, quer sejam católicos realmente evangelizados e preparados ou não, sob o risco de quando conseguirmos enviar uma boa equipe missionária pra lá, os protestantes e/ou outras organizações já terem a muito tempo fincado raízes por lá. Não é novidade ver em muitas localidades rurais, e bairros de grandes metrópoles, já um bom número de protestantes, com templo erguido e tudo, e nada de presença mais visível e atuante da Igreja Católica.

Pois bem, vou celebrar missa numa comunidade rural. Falo, falo e falo de participação, etc... pro pessoal assumir os cânticos, fazer a leitura, na esperança de que a celebração periódica com o padre vá suscitando novas pastorais, etc Mais aí levo pra dita comunidade uma equipe de cântico e leitores da sede. Cantam bonito, fazem leituras bem feitas, se precso for ainda arrumam a própria mesa do altar e depois voltam comigo. A missa foi bonita e toda conforme as rubricas. Faço isso uma vez, duas... e quantas vezes for necessário. Mais na comunidade não fica ninguém pra levar adiante quando o padre não estiver lá. O pessoal da sede faz, então acaba dando a sensação de que não falta nada, tudo está andando “direitim”.

Porém, por mais que o conteúdo seja participação e co-responsabilidade de todos, o método que está sendo utilizado, o caminho que está sendo seguido, é o de levar uma equipe da sede, pois o pessoal não sabe e nunca saberá ajudar na Igreja.

Se este método permanece inalterado, por mais que se fale que o pessoal da comunidade também pode e tem capacidade para fazer, o sentimento que eles vão ter é que o pessoal da sede é inteligente e eles são incapazes.

Agora, se mesmo com poucas instruções, entrego alguns subsídios básicos, encaminho para a oração e perseverança na Igreja da melhor forma que lhes for possível, manifesto meu sincero apoio de pastor, e deixo que possam ir aprender fazendo... após os nervosismos e erros de início, com o tempo as pessoas da comunidade vão normalmente tomando gosto, vão criando segurança no que estão fazendo, vai se aproximando um e outro, e apesar de algumas perdas de alguns que se cansaram por mil e uma circunstâncias materiais e espirituais que surgem, outros vão perseverando, amadurecendo e vai surgindo naquela localidade uma comunidade cristã com muitos ou poucos agentes de pastoral.

Este método também serve para animar ou manter sempre viva atuante mesmo as comunidades já fundadas em tempos distantes. Com uma ou outra exceção, normalmente este método funciona, é simples, barato e se encaixa na realidade dos nossos leigos, que são a maioria na Igreja e, logicamente, não são padres e nem freiras.

Estou utilizando esta metodologia pastoral aqui na Paróquia de Palmácia, interior do Ceará. Pra não me estender muito, de 12 capelas que aqui encontrei, construímos em 17 novas, entre as que já foram terminadas, outras em fase de construção e dois terrenos já doados. Antes tínhamos setores da paróquia que a muito seque tinha Missa ou alguma organização da Igreja atuante. Quando muito somente devoções isoladas dos próprios moradores. Hoje são setores que têm suas capelas, reunião de comunidade, etc É claro que apenas tivemos a preocupação de formar comunidades nessas localidades. O pessoal vai crescendo aos poucos. Mas desde sempre, temos nos esforçado de não ficar levando gente da sede pra fazer no lugar deles, e lá mesmo desconcentrar os serviços, sempre orientando ou "baixando diretrizes" para que uma pessoa não assuma tudo sozinho, mais sempre que outros possam também ter suas próprias responsabiliadde. isto abre o leque e ventila a comunidade...

Aqui em Palmácia, sem desconsiderar os muitos frutos que colhi semeados por outros antes de mim, vi que o método prevaleceu e produziu mais do que se somente tivesse dado conteúdo e formações, mais utilizasse um caminho contrário.

O método sempre prevalece sobre o conteúdo, pois o caminho que se percorre é na verdade uma aprendizagem feita de um modo mais experimental que intelectual.


No DJC...

No DJC nunca devemos ter só conteúdo, pois nossa missão não é fazer só discípulos, mais também missionários, ou seja, discípulos que também se tornem capazes de pescar e formar novos discípulos, que deppois vão pescar e formar novos discípulos, como Paulo ensinou a Timóteo.

Por isso é tão importante estruturar o DJC de tal forma que haja ministerialidade, que o pessoal possa ir aprender fazendo, que nunca uma pessoa assuma todos os serviços, etc. Às vezes é melhor deixar faltar um serviço no DJC, e o pessoal ver que está faltando mesmo, do que um só fazer de tudo, e deixar a impressão de que não está faltando nada. Isso vai atrofiando a ministerialidade e não deixa de ser uma tentação de satanás, pois atrapalhará bastante a nossa vocação e missão.

E uma vez que tal pessoa assumiu determinada responsabilidade no DJC, quem tem autoridade sobre ela deixar que assuma realmente a sua responsabilidade própria também. Não é salutar alguém ficar fazendo o que outro deveria fazer, pois com o tempo teremos mais ministérios de enfeite do que realmente de evangelização.

Flexibilidade, só na necessidade. E o discernimento é o mapa da caminhada.

Deixemos o pessoal caminhar. Apenas devemos incentivar, convidadar quantas vezes for possível e acompanhar, mais nunca podemos caminhar no lugar de alguém, ou levar alguém nas costas. Cada pessoa deve dizer o seu SIM pra Deus, seja o SIM para acolher a própria salvação, seja o SIM para prestar algum serviço de evangelização.

Evangelização sim. Adulação, não!

Devemos mesmo ministrar bons conteúdos em pregações, formações e publicações, pois a teoria ilumina a prática e gera convicção. Mas sem esquecer o método, o caminho prático para o dia-a-dia: De um lado devemos criar a estrutura da ministerialidade. De outro, deixar a responsabilidade “pesar” nas costas dos mais diferentes servidores, pois é isto que prova e faz crescer, é isto que gera maturidade espiritual e apostólica.

Graça e Paz!

Pe. Marcos Oliveira


Em tempo: Quando ia postar este texto, deparei-me com um outro postado pelo Edmar um pouco antes, no seu blog do Ministério Geral de Desenvolvimento Integral. A Divina Providência fez com que nossos assuntos fossem praticamente o mesmo. Muito bom conferir: Devemos valorizar os que são de casa. Link: http://desenvolvimentointegralgeral.blogspot.com/2009/12/devemos-valorizar-os-que-sao-de-casa.html